quarta-feira, abril 02, 2008

'NOVA" POLÍTICA INDUSTRIAL PARA UM MODELO ECONÔMICO VELHO

Carlos Tautz*

Carregando o adjetivo “nova” em seu nome, a política industrial que o governo vai lançar nos próximos dias faz uma aposta velha. Quer elevar à liderança mundial empresas brasileiras dos setores de papel e celulose, mineração, petroquímica, siderurgia e carne, desconsiderando que essa opção estratégica aprofunda um modelo econômico baseado na exportação em alta escala de recursos naturais. A exceção seria o apoio ao setor aeronáutico, que agrega um pouco mais de valores econômico e tecnológico à produção brasileira.

Nas últimas duas décadas, países que fizeram opção semelhante a essa, expressa na “nova” política, cresceram menos, em comparação com as nações que se especializaram em setores intensivos em tecnologia.

Nada ousada, a política privilegia setores que aprofundam ainda mais a extrema concentração de renda verificada no País. Eles demandam empregos menos qualificados e de menor remuneração e exigem menos desenvolvimento tecnológico. Em 2005, esses setores representaram 48% das exportações brasileiras – enquanto sua participação na média mundial das exportações ficou em 26%.

É claro que só poderemos confirmar se essa “nova” política industrial contemplará alguma inovação – tecnológica ou econômica – quando ela for tornada pública. Mas, de antemão, de acordo com as notícias vazadas pela imprensa, já salta aos olhos o conservadorismo quanto à escolha dos setores econômicos nos quais apostará as suas fichas.

Ainda que seja positiva a escolha do setor aeronáutico (que no entanto deve perder a oportunidade de fazer uma conexão direta com setor astronáutico – esse sim, de enormes valores agregados), a ratificação da exploração de setores primários mostra que o governo optou por mais do mesmo e não avançou um milímetro sequer diante do que já havia sendo realizado.

Ou seja, uma aposta numa espécie de modernização da concepção conservadora do desenvolvimento, sem propor qualquer mudança estrutural na capacidade produtiva brasileira. Do ponto de vista estratégico, ainda faz uma jogada de altíssimo risco, ao priorizar aqueles setores que estão em alta devido à demanda conjuntural do mercado por commodities agrícolas. Na prática, vamos retirando os EUA e colocando a China no papel de grande comprador de nossas exportações.

A política industrial será financiada pelo Estado brasileiro, diminuindo muito o risco que os agentes teriam, se tivessem de procurar crédito no mercado. E, como tem sido nos últimos 56 anos, mais uma vez o BNDES, a maior fonte de recursos de longo prazo no Brasil, com orçamento superior até ao do Banco Mundial, apostará o grosso de suas fichas na viabilização da “nova” política que reinventa o velho modelo.

Além de de fornecer quase 90% (cerca de R$ 210,4 bilhões até 2010, ano eleitoral) dos recursos para a consolidação internacional dos setores escolhidos, o Banco ainda vai liderar a formação de fundos de investimento, juntamente com os fundos de pensão de estatais, que são controlados pelo governo.

Em verdade, a “nova” política já vem sendo sendo colocada em prática. É o caso do recente fornecimento de crédito pelo BNDES em conjunto com a Petros (fundo de funcionários da Petrobras) e o Funcef (dos funcionários da Caixa Econômica Federal) das aquisições (no total de US$ 1,7 bilhões) realizadas nos EUA pelo frigorífico JBS-Friboi.

Tal operação, entre várias outras, contraria inclusive o que tem dito o próprio Ministro da Fazenda, Guido Mantega. “Vamos exportar manufaturas, não só grãos e minérios” (Carta Capital, 19/03), disse Mantega, um cavaleiro solitário do crescimentismo econômico que não conta com o apoio decisivo de Lula. Seu oponente, o contracionista Henrique Meirelles, presidente do Banco Central, é de fato quem dá as cartas no governo e faz a cabeça do Presidente da República, em matéria econômica.

Meirelles opera um BC desconectado da economia real, que só faz garantir a saúde da moeda e dos títulos públicos, e sequer avalia uma possibilidade de se compromissar com outros elementos do desenvolvimento nacional.

Aliás, talvez esteja aí, no debate sobre o BC, a explicação de fundo para o fenômeno do envelhecimento precoce de qualquer política pública no Brasil.


*Jornalista e pesquisador do Ibase – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas. (Artigo também publicado em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/post.asp?cod_Post=95862&a=112)

terça-feira, março 25, 2008

SERJÃO

Foi-se Sérgio de Souza, o nosso Serjão

Morreu em São Paulo aos 73 anos o jornalista Sérgio de Souza, o Serjão. Operado dia 10 de março de 2008 em razão de uma perfuração no duodeno, morreu em decorrência de complicações na madrugada de hoje, terça-feira, 25 de março, no Hospital Osvaldo Cruz.
Sérgio deixa viúva a jornalista Lana Nowikow, com quem teve três de seus sete filhos.

Nascido em 1934 no Bom Retiro, bairro tradicional no centro da capital paulista, Serjão era um autodidata. Não chegou ao curso “superior”, mas fez-se na rua e nas redações “doutor” em jornalismo. Bancário, recém-casado, viu uma notícia na Folha de S. Paulo no fim da década de 1950, do tipo “você quer ser jornalista?”, e para lá se dirigiu. Fez um teste e, aprovado, entrou para a reportagem do jornal da Barão de Limeira, onde nos conhecemos.
Quatro anos depois, a convite de Paulo Patarra, transferiu-se para Quatro Rodas, da Editora Abril. Ali, em 1966, faria parte da equipe que fundou e lançou REALIDADE, cujo forte era a reportagem, revista “cult” daquela editora e maior sucesso jornalístico do gênero neste país.

Avesso a entrevistas, até tímido diante de uma câmera, microfone ou mesmo um colega de caneta e papel na mão, Serjão não deixou muitas pistas sobre sua vida particular, onde estudou, que preferências tinha em matéria de literatura, cinema, e outras trivialidades que costumam compor um necrológio. Certo é que Sérgio de Souza é o último monstro sagrado vivo que se vai de uma geração que fez, além de REALIDADE: a revista quinzenal de contracultura O Bondinho; o jornal mensal de política, reportagem e histórias em quadrinhos Ex-; o programa de televisão 90 Minutos na Bandeirantes – entre dúzias de trabalhos.
Há onze anos, em abril de 1997, Sérgio lançou, com amigos e associados, a revista Caros Amigos, que vinha dirigindo até duas semanas atrás.

A importância de Serjão para o jornalismo pátrio é discreto como sua figura e incomensurável como seu tamanho – pois se dá justo naquele trabalho quase anônimo do editor, do editor de texto, da palavra seca, cortante, exata, da melhor linha humano-política na orientação ao repórter, ao subeditor, ao chefe de arte, ao departamento comercial, advinda de um caráter íntegro e de um senso jornalístico próprio dos gênios.
Dedicou 50 anos à profissão, na qual não fez fortuna, ao contrário: deixa dívidas. Aliás, uma de suas últimas criações foi o “Anticurso Caros Amigos – Como não enriquecer na profissão”.

Aos que o sucedem em Caros Amigos, fica a desmedida tarefa de homenagear sua memória fazendo das vísceras coragem e coração para tocar o barco em frente.

Mylton Severiano, editor-executivo de Caros Amigos

segunda-feira, março 24, 2008

INDIGNÇÃO DE PRAXE NÃO PÁRA DESMATAMENTO NA AMAZÔNIA

Carlos Tautz

Depois do escândalo, a má e velha omissão de sempre volta a assolar a Amazônia. Em janeiro, o Ministério do Meio Ambiente teve de admitir o que os ambientalistas afirmavam já havia meses: os níveis do desmatamento na região voltaram a crescer no segundo semestre de 2007, após uma queda acentuada em 2006 – fato amplamente alardeado pela máquina de comunicação do governo.

Após as medidas anti-desmatamento anunciadas, como de praxe nessas situações, em tom de indignação, entidades ambientalistas, como o Greenpeace e a Amigos da Terra Amazônia – entre as mais sérias da área – mais uma vez alertam: à medida que os preços das commodities agrícolas alcançam preços estratosféricos no mercado internacional, e que o governo não coloca em prática as medidas anunciadas no calor das denúncias, a derrubada de floresta acompanha a tendência de alta dos preços dos produtos que a impulsionam.

A Greenpeace já produziu um alentado relatório – intitulado “O leão acordou” – em que aponta as razões para a retomada do desmatamento.

"Uma delas é o fato de que apenas 31% do que estava planejado foi cumprido. A baixa execução se deveu, principalmente, por falta de coordenação adequada pela Casa Civil. Outra é o aumento nos preços das commodities agrícolas e da carne bovina. Uma terceira é a transferência da responsabilidade por monitorar e autorizar o licenciamento de propriedades rurais, a exploração de madeira e desmatamentos para os estados amazônicos, desaparelhados para a tarefa”, disparou a organização conservacionista.

A Amigos da Terra centrou fogo na falta de eficácia justamente daquela medida que parecia ser a mais contundente contra os devastadores, porque os fisgava pela parte que dói mais: o bolso. A medida, que atendia a uma antiga reivindicação dos ambientalistas, havia sido tomada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que em 28 de fevereiro emitiu a resolução 3545.

Ela determina a exigência de Certificado de Cadastramento de Imóvel Rural (CCIR) e comprovação de respeito à legislação ambiental (licença, averbação de reserva legal, áreas de preservação permanente) para concessão de crédito rural na Amazônia por parte de todo sistema bancário - inclusive o Banco do Brasil e o Banco nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), dois poderosíssimos instrumentos de governo do Estado brasileiro, que não param de financiar atividades devastadoras da região.

Parecia que finalmente o mal era cortado pela raiz (apesar de a resolução do CMN apenas reforçar o óbvio: de que o sistema bancário só poderia financiar quem estivesse dentro da lei). Porém, apenas um mês depois de as medidas terem sido publicadas, a Amigos da Terra já tem outra avaliação.

”O que pareceria um avanço pode não causar mudança devido a um relaxamento na resolução: na inexistência de certidão de regularidade ambiental, um atestado de recebimento da documentação será suficiente para receber o crédito subsidiado”, publicou a organização em seu sítio na internet.

“Com essa ação”, continua a Amigos da Terra, " está criado um novo mercado: o da venda de protocolos, já que para se obter um crédito rural, basta usar um mero comprovante de entrega de alguma documentação, que não precisa ser checada ou nem mesmo ser considerada relevante, solicitando a regularização ambiental”, diz Roberto Smeraldi , diretor da ONG Amigos da Terra – Amazônia Brasileira”.

Não chega a ser uma inédita essa enorme reversão de expectativas, em se tratando de economia brasileira. Desde a chegada dos europeus à América Latina, no século 15, a região insiste em se inserir na economia mundial como produtora de bens naturais, com baixo valor agregado e com absoluta prioridade para o atendimento do mercado externo – sempre crescente e exigente.

Essa opção histórica, entretanto, esgotou-se à medida que seus impactos sociais e ambientais deixam de ser toleráveis pela sociedade. Afinal, quanto mais uma atividade econômica tende à primariedade, maior é a concentração da renda nas mãos de poucos, enquanto os malefícios são distribuídos pela maioria da população.

Só a compreensão de que meio ambiente e sociedade têm seus destinos entrelaçados pode levar a uma ampla reorientação no modo de produção de riquezas, limitando enormemente os impactos negativos da opção pela devastação ambiental.

Essa, porém, não é uma tarefa fácil. Em verdade, é a grande tarefa de nossa geração. Mais do que reprogramar a economia, ela exige que o Brasil repense a forma como ao longo da história vem se relacionando com seu próprio povo e com o restante do planeta. Exige que o Brasil finalmente decida se quer existir para si ou se continuará a manter as suas veias abertas. (Também publicado em http://www.diariodaterra.com.br/artigos_diario.asp )

quarta-feira, março 19, 2008

CASO OI-BRT: ONDE FICA A DIMENSÃO SOCIAL?

Carlos Tautz

Mover mundos e (principalmente) muitos fundos para garantir a fusão da Oi/Telemar com a Brasil Telecom (BrT), e o investimento de outras grandes do setor, tem sido a única preocupação do governo brasileiro na ampla rearrumação comercial e de paradigma tecnológico pelo qual passam as comunicações – área definidora de qualquer estratégica de desenvolvimento. A dimensão social do negócio, que lida com concessão de serviços públicos, inexplicavelmente está ausente do debate em torno do negócio.

Como parte do processo de fusão, chega-se até a aventar a publicação de um decreto presidencial para alterar o Plano Geral de Outorgas (PGO), o que representa a aplicação de uma enorme força política e institucional. Mas, até agora não foi emitido qualquer sinal de que serão exigidas contrapartidas sociais para liberar, através do BNDES, os cerca de R$ 4 bilhões que viabilizariam o negócio e certamente vão garantir um enorme ganho de produtividade às empresas envolvidas.

Poderes de financiamento e de normatização para induzir a socialização de parte dos benefícios o governo tem de sobra. Porém, nem a Casa Civil, que segundo a imprensa tem coordenado a operação em conjunto com o BNDES, nem o Ministério das Comunicações e sequer a Anatel, a agência reguladora, aventaram exigir que esse vasto reordenamento institucional, econômico e tecnológico seja utilizado para a adoção de amplas e profundas medidas de inclusão digital, de fomento ao desenvolvimento científico e tecnológico e de desenvolvimento de conteúdos nacionais.

Em verdade, a operação das teles vai na direção oposta e tem sido tratada de forma desarticulada de outros dois importantes movimentos que ocorrem no setor e que deveriam fazer parte de uma política nacional de comunicação.

Esses movimentos são a implantação da tevê digital e o debate na Câmara dos Deputados sobre o projeto de lei 29/2007 (que trata do sistema de produção, empacotamento e comercialização de conteúdos audiovisuais).

Desenvolvidos articuladamente, eles garantiriam a socialização de parte dos vários tipos de ganhos que as megaempresas do setor vão auferir com o negócio. Mas, esses movimentos têm corrido em raia própria, como se nada tivessem a ver com a fusão da Oi com a BrT.

Sequer é considerado pelas autoridades o fato de que dessa operação, que só está indo à frente por obra e graça do governo federal, pode surgir um grupo com escala operacional para implementar políticas de universalização, principalmente na banda larga. Mas o governo não pensa assim, embora se trate de uma concessão de serviços públicos – o que justificaria a contrapartida para a sociedade.

Aliás, foi emblemático o fato de o governo voltar a conferir ao BNDES papel central na rearticulação do setor de telecomunicações. Na década de 1990, o Banco recebeu do governo a tarefa de desenvolveu capacidades técnicas para moldar as privatizações. Contratou consultores internacionais e com eles geriu as licitações do Programa Nacional de Desestatização (PND). Subsidiou a privatização e abriu um fluxo de negócios com as empresas da área que permanece, e vem se ampliando, até hoje. Agora, o Banco repete a dinâmica dos anos 90 e aplica uma perspectiva estritamente comercial à operação da Oi-BrT.

Segundo informações de imprensa, o BNDES financiará os grupos La Fonte e Andrade Gutierrez na formação da nova megatele e ainda por cima articula o aporte e a participação no negócio dos fundos de pensão Petros (dos funcionários da Petrobras), Previ (do Banco do Brasil) e Funcef (da Caixa Econômica Federal) – todos controlados pelo governo federal. Mas, não dá uma palavra sobre contrapartidas sociais.

A propósito, já passou da hora de se fazer uma avaliação crítica sobre o contínuo aporte de volumosos recursos que o Banco vem fazendo à teles, em especial à OI e à BrT, muito após a privatização. Afinal, o principal argumento pró-privatização era o de que a desestatização liberaria o Estado para investir na educação, na saúde etc.

De fato, a oferta de bens e serviços disparou nas regiões do País e entre as classes com maior renda. Todas as estatísticas do setor, entretanto, mostram que o perfil dos usuários continua refletindo a extrema concentração de renda no Brasil. Segundo o professor Dantas, a massa da oferta dos serviços está concentrada em pouco mais de 400 municípios, e a telefonia celular só chega a cerca de 50% das residências, enquanto não mais do que 20% de todos os lares têm aceso aos demais serviços de telecomunicações. Não há renda suficiente para demandar os serviços.

Boa parte da responsabilidade sobre esse quadro deve ser atribuída ao governo, que regula e que, com os empréstimos periódicos de suas agências, viabiliza financeiramente as empresas da área. “Desde a privatização do setor, em 1998, até dezembro de 2007, o departamento de telecomunicações do BNDES aprovou financiamento de R$ 7,9 bilhões para as empresas de telefonia móvel. O valor representa 35% do total aprovado para as telefônicas no período, que soma R$ 22 bilhões”, explica o próprio Banco em sua página na internet.

O Banco é o grande provedor de recursos para todo o setor. Mas, é especialmente importante para a Oi e a BrT , como mostram essas informações disponíveis em www.bndes.gov.br:

1. De acordo com a lista dos 50 maiores projetos dos últimos 12 meses, a Telesp recebeu pouco mais de R$ 2 bilhões e a Vivo, R$ 1,53, ambos aportes para implantação e expansão da rede das empresas.

2. Em 9 de janeiro de 2008, enquanto já apareciam na imprensa detalhes da fusão entre os dois grupos, o BNDES aprovou financiamento de R$ 259 milhões paro plano de investimentos da Brasil Telecom Celular S.A até 2009. O total desembolsado equivale a 49,83% do investimento total da empresa, de R$ 519,9 milhões. A Brasil Telecom Celular S.A é subsidiária integral da Brasil Telecom e opera no Acre, Rondônia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Goiás, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul e Distrito Federal.

3. Em seis de outubro de 2006, o BNDES já havia destinado à empresa R$ 2,1 bilhões. Até então, aquele havia sido o empréstimo ”mais elevado concedido para o setor e um dos cinco maiores aprovados pelo Banco”.

4. Em 2005 e 2006, o Banco aprovou financiamentos R$ 3,7 bilhões para o setor, que investiu o total de R$ 9,4 bilhões. No período, os desembolsos - dinheiro efetivamente aportado – alcançaram R$ 3,5 bilhões.

5. A Oi/Telemar também tomou muito dinheiro ao BNDES. Em 1o de novembro de 2006, a empresa recebeu financiamento de R$ 2,4 bilhões. Do total, R$ 1,97 bilhão será concedido à Telemar Norte Leste e o restante, R$ 466,7 milhões, à sua subsidiária Oi, operadora de celular. Através de sua subsidiária BNDES Participações, o Banco possui 25% das ações com direito a voto na Oi/Telemar, mas não tem exercido na empresa um papel equivalente a essa posição estratégica no bloco controlador da telefônica.

6. Entre 2000 e 2005, o BNDES aprovou para o grupo Telemar R$ 4,1 bilhões (além dos R$ 2,4 bi). Assim , o Banco liberou 36,55% do total de investimentos do grupo Telemar entre 2006 e 2008.

É imensa a capacidade de o Estado no Brasil formular ideologicamente, planejar, legislar, financiar, regular e fiscalizar toda forma de produção. Resta saber se ele continuará a abdicar dessa responsabilidade. (Também publicado em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/post.asp?cod_Post=93471&a=112)

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PARA O BNDES, HOSPITAL DA ELITE É "ÁREA SOCIAL"

Carlos Tautz

Conhecido pela sua alta qualidade técnica e preços em igual patamar, o Hospital Albert Einstein, localizado no reservado bairro do Morumbi, em São Paulo, recebeu em setembro de 2007 quase R$ 249 milhões do BNDES para financiar um aumento de 143 mil metros quadrados de sua área construída. O empréstimo foi o considerado pelo Banco, que opera com recursos do Tesouro e do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), uma ação de “inclusão social”, a despeito de destinar-se a uma empresa privada que serve o público de mais alta renda do Brasil.

Em outro empréstimo dito “social”, o Banco liberou R$ 16,5 milhões para a empresa Servatis adquirir o parque fabril da Basf e formar capital de giro – sem que qualquer emprego tenha sido gerado.

Estes são dois exemplos de empréstimos a empresas privadas feitos pelo Banco – que é 100% estatal e que e opera com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). É a primeira vez em seus 56 anos de vida que o Banco torna públicas essas operações com empresas privadas – apesar de a publicidade no uso de recursos públicos ser um dos princípios da Constituição nacional desde 1988.

Divulgada em 14 de fevereiro, a lista de projetos é amplamente insuficiente, diante do que foi solicitado ao Banco em julho de 2007 pela Plataforma BNDES, e não tem recebido do banco a necessária publicidade. Sequer no sítio de internet do BNDES ela ganha destaque (está em www.bndes.gov.br/clientes/setorprivado.asp).

A lista foi uma das reivindicações da Plataforma BNDES, que é uma rede de 30 ONGs e movimentos sociais, entre eles o Ibase, a CUT e o MST. Essas organizações elaboraram um documento (www.ibase.org.br/userimages/Plataforma%20BNDES.pdf) , avaliando o Banco e solicitando a reorientação de seus critérios de financiamento. O autor deste artigo foi um dos redatores do documento.

A lista mostra que os maiores empréstimos do BNDES sempre se destinam a grandes tomadores de crédito, que atuam em áreas tremendamente concentradoras de renda e que ao longo dos anos tem-se repetido no rol dos beneficiários desses desembolsos. Alguns desses empréstimos visavam a atividades que deveriam ser consideradas, no mínimo, controversas, por um banco público de desenvolvimento que opera com recursos do FAT.

Em alguns casos, o dinheiro foi utilizado em operações meramente financeiras e intrafirmas, para algumas empresas comprarem ativos no exterior – sem que nenhum emprego tenha sido gerado no Brasil. A lista também mostra que o BNDES continua a financiar quem poderia captar no exterior e liberar o Banco para investir em ações de impacto social mais representativo e direto aqui mesmo no País. Entre esses projetos está o financiamento de R$ 2,271 bilhões para a Vale do Rio Doce, que acaba de acertar com um consórcio de bancos ingleses um empréstimo de US$ 50 bilhões para comprar a mineradora suíça Xtrata.

Aliás, é sempre bom relembrar que o BNDES tem participação acionária expressiva e com direito de veto na mineradora, o que levanta questões éticas quanto aos aportes do Banco na empresa. O BNDES tem expressiva participação acionária na Vale (como em muitas outras empresas), o que traz à tona o debate sobre se o Banco deveria emprestar a, em última instância, a si mesmo e viabilizar enormes lucros de si próprio e das companhias de que faz parte.

Tal operação caberia a um banco privado, mas deve ser questionada quando se trata de um banco público de fomento – o que o Ministério Público Federal teria a dizer?

Outro empréstimo que suscita atenção é o aporte à MPX Mineração e Energia, contratado em 11 de dezembro passado. A empresa de Eike Batista recebeu R$ 179 milhões para “a compra de 178 mil ações ordinárias de emissão” da própria MPX.

Mais um caso: um aporte garantiu à CSN, em 25 de janeiro de 2007, R$ 1,1 bilhão para comprar ações do Grupo Corus na Europa – em outro claro exemplo de grupo brasileiro que poderia alavancar-se com empréstimos de fontes comerciais, deixando o dinheiro BNDES para o crescimento da capacidade produtiva no Brasil, com prioridade à geração de benefícios sociais e não de mais concentração de renda.

Para terminar, mais uma operação chama a atenção para a ampla margem discriminatória que possui o Banco. A JBS de São Paulo conseguiu do BNDES R$ 1,516 bilhões para comprar a Swift&Co, dos EUA. E, ainda no setor de alimentação, surge uma ação coordenada entre o BNDES, o Unibanco e a Sadia.

O Banco, que restringe empréstimos a cooperativas de créditos da agricultura familiar, em operações semelhantes a esse acordo Sadia-Unibancio, em 23 de abril liberou R$ 213 milhões para o Unibanco financiar produtores rurais que forneçam exclusivamente à Sadia, em numa ação que induz à permanente dependência dos pequenos agricultores da grande empresa e que os coloca na cadeia produtiva prioritária da exportação, sem que o mercado interno tenha qualquer garantia de atendimento.

E, ainda por cima, em 10 de maio de 2007, a Sadia já havia recebido R$ 462,5milhões para construir um complexo agroindustrial em Lucas do Rio Verde (MT) – o apoio correspondeu a 67% do investimento total.

A divulgação de informações sobre o processo de viabilização de grandes projetos estruturantes da economia é decisiva para entender com mais precisão o modelo de desenvolvimento que é posto em prática no Brasil. Afinal, é nesses espaços de decisão econômica e de circulação bruta de dinheiro que são feitas as opções que há décadas mantém o sistema de radical concentração de renda que caracteriza o Brasil. (Também publicado em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/post.asp?cod_Post=94209&a=112)

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quinta-feira, março 06, 2008

RÂ AMAZÔNICA PODE CURAR DIABETES

Envolverde, 05/03/2008 - 12h03
http://envolverde.ig.com.br/materia.php?cod=44138&edt=

Rã da Amazônia pode trazer cura para diabetes

Por Chico Araújo, da Agência Amazônia

Espécie estudada é um tipo aquático presente da região do Pantanal e da Amazônia.

Quase dois anos após a Agência Amazônia denunciar que biopiratas vendem uma espécie de rã da Amazônia, a Dendrobates castaneoticus, um grupo de cientistas da Irlanda e dos Emirados Árabes anuncia experiências com outra espécie brasileira.

Remédios feitos a partir das secreções da Dendrobates castaneoticus são vendidos livremente na internet. Isso ocorre porque, em 1995, exemplares da espécie — levados para os Estados Unidos com autorização do Ibama — foram roubados do Zoológico de Oklahoma.

Desta vez, os experimentos foram feitos com uma rã da espécie Pseudis paradoxa, um tipo de rã aquática presente na região do Pantanal. Eles descobriram que secreções da pele dessa rã podem ser usadas para o tratamento de diabetes tipo-2, de acordo com pesquisa anunciada nesta semana na Conferência Anual da organização britânica Diabetes UK, em Glasgow, na Escócia. A espécie também é encontrada na Amazônia.

Cientistas das universidades do Ulster (Irlanda do Norte) e dos Emirados Árabes Unidos testaram uma versão sintética do composto pseudin-2, que protege a rã de infecções, e descobriram, em testes de laboratório, que ele estimula a secreção de insulina em células do pâncreas.

A experiência não registrou a presença de efeitos colaterais.

A versão sintética mostrou-se mais eficaz no estímulo de insulina do que o composto natural, abrindo caminho para seu potencial desenvolvimento como um medicamento para o tratamento de diabetes.

A diabetes tipo-2 costuma ser associada à obesidade e se desenvolve porque o organismo não produz insulina suficiente, ou quando a insulina produzida não trabalha de maneira adequada.

Com isso, o paciente não consegue regular os níveis de glicose no seu sangue de maneira apropriada.

O chefe da pesquisa, Yasser Abdel-Wahab, da Universidade do Ulster, disse que foram feitas várias pesquisas com moléculas bioativas de secreções da pele de anfíbios.

Um estudo recente desenvolveu um medicamento para a diabetes a partir de um hormônio da saliva de um lagarto encontrado no sudoeste dos Estados Unidos e norte do México.

A espécie Pseudis paradoxa é conhecida por sua alteração de tamanho com o passar do tempo. Os indivíduos começam a vida como girinos de até 27 centímetros antes de encolher para cerca de 4 centímetros quando adultos.

(Envolverde/Agência Amazônia)

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quinta-feira, fevereiro 28, 2008

A ESTRATÉGIA DO "MAIS DO MESMO" NA ENERGIA

Carlos Tautz*

A Bolívia propõe cortar 1 milhão de m3 de gás natural, dos 30 milhões que vende diariamente ao Brasil, e redirecionar essa quantidade para a Argentina, que usa maciçamente o produto para aquecer residências no inverno. Mas, o Brasil se recusa em reduzir a importação do boliviano gás porque este atende prioritariamente ao setor industrial de São Paulo, vital para a dinâmica da economia brasileira. Além do mais, se abrisse mão dessa compra agora teria de utilizar mais água dos reservatórios de suas hidrelétricas, para manter o nível de armazenamento da água e do fornecimento de eletricidade em 2009 e nos anos seguintes.

Para atender a uma situação emergencial dos argentinos, que não têm mais de onde comprar energia no curto prazo, o Brasil lhes venderá mais hidroeletricidade, a partir das linhas de transmissão que saem do Rio Grande do Sul em direção ao país portenho.

Todas essas idéias para atender a uma situação emergencial foram debatidas em diois dias de reunião em Buenos Aires, na semana passada. A única proposta de longo prazo foi o compromisso de os três países construírem (em cinco ou seis anos) hidrelétricas capazes de gerar 10 mil MW, centrais nucleares e uma planta de regaseificação na capital argentina (provavelmente para aproveitar o gás natural venezuelano).

Evo Morales, Lula e Cristina Kírchner nada avançaram em uma pauta realmente importante: a reorientação do planejamento regional da oferta, da produção e de otimização radical dos sistemas energéticos das três nações.

Sequer aproveitaram o momento para iniciar negociações sobre políticas comuns para articular um novo tipo de produção (menos impactante) e economia de energia (agregadora de valor científico e tecnológico) com o enfrentamento das mudanças climáticas, um passo adiante que daria sentido superior aos até agora pouco produtivos debates sobre integração sul-americana. Venceu, mais uma vez, a política do cobertor curto e a estratégia do mais do mesmo.

Essa falta de perspectiva expressa uma incapacidade de os três governos definirem estratégias de desenvolvimento no longo curso. Também evidencia que o trio foi pego de surpresa pela explosão dos preços no mercado internacional das commodities agrícolas – a especialidade das três economias – pela crescente demanda chinesa, com o conseqüente aquecimento dos seus mercados internos - eles têm crescido em média nos últimos anos 8% (Argentina) e 4% (Bolívia e Brasil).

O que é ainda pior é que a opção pelas megausinas – custariam R$ 30 bilhões – aponta para a repetição de velhas concepções de desenvolvimento que se apóiam no ciclo da economia política com fins em si mesmos. Em geral, ela funciona mais ou menos assim, seja na América Latina. África ou Ásia.

Bancos (alguns ostentando o título de “desenvolvimento”) contratam estudos a consultores e sugerem os projetos daí resultantes a governos sem planos de desenvolvimento de longo prazo. Estes, aparentemente assustados com as permanentes “crises de oferta de energia”, empregam consultores (muitas vezes, os mesmos vinculados aos bancos) que sacam da gaveta pacotes tecnológicos e financeiros adaptáveis a qualquer situação.

O tamanho dos pacotes geralmente incorpora estimativas infladas de crescimento da demanda, mas isso não não é problema – nem para governos que vivem de reclamar da falta de recursos. Afinal, a construção das usinas é entregue a um reduzido número de empreiteiras que conseguem dos bancos generosas condições financeiras para a realização dos seus projetos.

Em troca, os bancos exigem dos governos “apenas” a assunção de garantias, que são transformadas em dívidas de longo prazo serem pagas (ou roladas) pelos governos seguintes. Tudo bem que as condições de pagamentos sejam draconianas. Afinal, a nossa permanente “crise de oferta” de energia está batendo à porta e exige soluções difíceis. (Também publicado em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/post.asp?cod_Post=91771&a=112 )

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sexta-feira, fevereiro 22, 2008

ALCA E IIRSA PARA EXPORTAR NATUREZA

Carlos Tautz

Essa passou despercebida pela imprensa pátria: “O dano ambiental causado pelos países mais ricos é maior do que toda a dívida de 1,8 trilhões de dólares do terceiro mundo”, estampou em 21 de janeiro o diário britânico The Guardian, sobre um estudo de cientistas da Universidade de Berkeley/Califórnia

"As nações ricas se desenvolveram às custas dos pobres e, como conseqüência, têm uma dívida com os pobres”, disse o professor Richard Norgaard, um economista ambiental que organizou o estudo.

Norgaard e sua equipe calcularam os custos de exploração de recursos naturais de países pobres, inclusive o Brasil, entre 1961 a 2000. Detiveram-se em seis áreas: emissões de gases-estufa, o esgotamento da camada de ozônio, agricultura, desflorestamento, sobrepesca e conversão de manguezais em fazendas produtoras de camarão.

A pesquisa chancela cientificamente um conceito – dívida ecológica – que há anos é defendido por organizações do sul. Sua grande novidade é comprovar com dados irrefutáveis que a brutal drenagem de recursos naturais da América Latina, Ásia e África configura um grande modelo econômico na divisão mundial do trabalho. Somos uma plataforma de intensas exportações de recursos naturais com baixíssimo valor agregado e inúmeros impactos sociais e ambientais.

Ao longo dos anos, esse papel histórico da região vem sendo intensificado e refinado. Governos e agentes políticos e econômicos privados planejam, financiam e operam grandes infra-estruturas de transporte, geração de energia etc para garantir esse contínuo fluxo de mercadorias agrícolas e minerais para o centro do sistema econômico mundial – América do Norte, Europa e os centros dinâmicos da Ásia (China e Japão).

É para continuar a alimentar essa divisão internacional do trabalho que surgem no fim do século passado, quase simultaneamente, duas megapropostas: a Alca – Área de Livre Comércio das Américas, proposta em 1994 pelo governo dos EUA; e a IIRSA - Iniciativa de Integração da Infra-Estrutura da região Sul-Americana, elaborada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Corporação Andina de Fomento (CAF) e o Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata (Fonplata). Foi reapresentada em Brasília, em 2000, pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (que já a defendera sem sucesso um ano antes).

A rigor a Alca e a IIRSA se são duas faces do mesmo modelo exportador da natureza que sai de nossos territórios em direção ao centro do sistema, exatamente como apontado agora pela pesquisa da Universidade de Berkeley.

A Alca visava à criação um sistema legal internacional e internamente a cada país das Américas e do Caribe que não apenas possibilitasse o desenvolvimento deste modelo explorador, mas que o obrigasse a existir e o impedisse de ser suspenso. Era uma ampliação da Área de Livre Comércio da América do Norte (Nafta) e uma versão regional do Acordo Multilateral de Investimentos, o AMI, fracassado em 1997 e 98 na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE.

Está suspensa devido a uma sucessão de obstáculos. Primeiro, houve um racha entre agentes econômicos brasileiros, o que alimentou uma histórica ambivalência da política externa nacional em temas desse tipo (ora opondo-se, ora omitindo-se). Por fim, a eleição, desde 1998, de governos sul-americanos com graus variados de independência em relação aos EUA e uma espécie de versão civil desta autonomia, representada pela ampla rejeição à Alca entre organizações populares latino-americanas.

A IIRSA, cujo mais caro projeto são as hidrelétricas do rio Madeira (RO), é a base física que possibilita esta sangria de bens naturais. Ela é a infra-estrutura de transporte (hidrovias, ferrovias e rodovias nacionais), de energia (hidrelétricas e gasodutos) e telecomunicações, além de marcos legais, que tornam possível as exportações da América do Sul em direção aos grandes mercados importadores – atendendo apenas na margem as necessidades dos mercados internos da região.

A mais recente versão brasileira da IIRSA é o PAC – Plano de Aceleração do Crescimento, lançado em janeiro de 2006 pelo presidente Lula. Ele ressuscita os Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento e o Avança Brasil (de FHC) e o Plano Plurianual do primeiro governo Lula.

O objetivo que orienta todos esses megaprojetos é uma compreensão histórica do papel do Brasil, como de resto de toda a da América do Sul como região periférica no sistema mundo. Essa opinião é fortemente incentivada pelo Itamaraty e por capitais privados e estatais, principalmente do Brasil, que enxergam nela uma possibilidade de aprofundarem o modelo no Brasil e ganharem escala internacional, exportando-o, com financiamento público, aos países vizinhos. (Também publicado no jornal Brasil de Fato, edição de 14 a 20 de fevereiro de 2008).

QUEM MANTÉM STEPHANES?

Carlos Tautz*

Se no Brasil valessem os princípios republicanos e não as conveniências políticas, o Ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, estaria procurando emprego novo há muito tempo. Ele tem sido pródigo em omitir-se nas suas atribuições legais e chegou até a causar constrangimento internacional a Lula, quando defendeu a plantação de cana na Amazônia.

Tantas foram as lambanças de Stephanes na Agricultura, que é o caso de perguntar: o que ele ainda continua fazendo lá? Quais forças políticas o mantêm em um dos Ministérios que mais geram caixa para o governo federal, tomando decisões que influenciarão a agricultura brasileira por décadas?

A mais recente trapalhada veio à tona na semana passada, em audiência que a Comissão de Agricultura do Senado convocou para o Ministro explicar as razões do boicote da União Européia (UE) à carne brasileira.

Ele admitiu que “o Brasil chegou a exportar carne bovina não-rastreada para a Europa, em decorrência das falhas no processo de acompanhamento de bovinos e na certificação de produtos exportados para o bloco” (O Globo, 14/02). Resultado: a UE suspendeu as importações de carne bovina brasileira causando, segundo o próprio Stephanes, prejuízo diário de 5 milhões de dólares ao País.

Na segunda (18), o Valor Econômico publicou denúncia da ong Contas Abertas mostrando que o sistema de rastreamento do gado bovino (Sisbov) do Ministério da Agricultura “gastou só 27,6% dos R$ 1,95 milhão disponíveis para os cinco principais programas de certificação da origem e movimentação de insumos e produtos agropecuários”

À noite, a Globonews mostrou que há quase um ano a representação diplomática do Brasil em Genebra já havia alertado a Agricultura sobre as cobranças da UE e as ameaças de suspender a compra de carne brasileira.

As trapalhadas de Stephanes começaram em setembro passado, quando o Ministro estimulou a plantação de cana na Amazônia para produção de álcool – algo prontamente negado pelo próprio presidente da República, que se esforça para vender mundialmente o álcool brasileiro como o combustível verde que substituiria o petróleo. O mais grave, entretanto, ainda estava por vir.

Stephanes e seu colega da Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende, admitiram (FSP, 29/01) que, sem autorização legal, produtores rurais já plantam variedades de milho geneticamente modificadas em lavouras clandestinas.

"Isso está acontecendo principalmente no Sul e no Centro-Oeste, já existem plantações com sementes contrabandeadas", disse Rezende. “Principal aliado de Rezende no debate dos transgênicos, o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, confirma que o milho vai pelo mesmo caminho das duas únicas variedades de soja e algodão geneticamente modificadas, cuja comercialização é autorizada do país: elas foram liberadas apenas depois de constatado o cultivo ilegal. "Não obstante toda a fiscalização, acontece o contrabando", confessou Stephanes.

Nesse caso, houve clara intenção de vincular uma situação de fato – a contaminação da safra brasileira pela inação do Ministério - com uma medida legal, que seria tomada mais tarde: a legalização do milho geneticamente modificado das empresas Bayer e Monsanto.

Na terça (12/02), ele – em conjunto com Rezende e outros cinco ministros-, votou no Conselho Nacional de Biossegurança, composto por 11 membros, pela aprovação do milho geneticamente modificado das duas empresas no Brasil. O voto de Stephanes, que relatou o processo, desconheceu a análise técnica do Ibama e da Anvisa. As agências argumentam que não existem estudos que atestem a inocuidade de commodities agrícolas transgênicas tanto para o meio ambiente quanto para o consumo humano.

Isso é particularmente grave para um país “megadiverso”, como o Brasil, que possui 12% da diversidade biológica conhecida no planeta, e que exatamente por isso carece de precaução para evitar contaminações em grande escala (como já aconteceu no México). Ambientalistas também chamam a atenção para outro dado.

“O Brasil é centro de diversidade genética do milho. Apenas no Centro-Sul do Paraná já foram identificadas 145 variedades de milho. Essa diversidade é incompatível com o monopólio dos transgênicos e desempenha papel fundamental na segurança alimentar, geração de renda e autonomia tecnológica de milhares de famílias”, chama a atenção a Assessoria a Projetos em Agricultura Alternativa (As-PTA).

Stephanes tem enorme capacidade de errar, sem receber qualquer sanção mais séria. De fato, sua permanência no cargo está envolta em mistério. (Também publicado em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/post.asp?cod_Post=90848&a=112)